SABER PODER FAZER: A ARTESANIA DAS FESTAS POPULARES

As festas e cortejos populares no Brasil se constituem como uma rica tradição cultural. Forjadas entre os grilhões da máquina colonial, tais manifestações resistiram mobilizando grandes populações através do tempo e mantendo viva a riqueza da cultura, do folclore e das tradições populares nacionais.

Diante da beleza de festas populares como as Congadas e os Lambe-sujos x Caboclinhos, decidimos nos debruçar sobre o processo de desenvolvimento das festividades. Muito além das canções, desfiles e danças, podemos perceber que, por trás de cada ato, existe um esforço coletivo capaz de unir inúmeras mãos em prol da unidade estética das festas. Olhando de perto adereços como os ternos, altares, objetos cenográficas, pinturas corporais, tambores e estandartes, percebemos que o movimento de elaboração dos cortejos requer a disposição de preciosas expressões de trabalho artesanal.

No caso dos Lambe-Sujos x Caboclinhos, percebemos uma atenção especial para a construção da encenação de uma grande batalha entre negros e indígenas. No enredo, os indígenas são contratados por brancos para capturar os negros foragidos e reconduzi-los à escravização. Enquanto são procurados pelas ruas, os negros sequestram a filha do cacique, fazendo com que os indígenas invadam o quilombo, derrotem os negros e resgatem a princesa. Por fim, os negros acabam por pedir esmolas para os espectadores pelas ruas para conseguir pagar pela alforria e conquistar a liberdade. Nessa espécie de teatro a céu aberto, cada item produzido possui um significado singular, como por exemplo a tinta feita para pintar os corpos de preto. Para cobrir o corpo, os artesãos fazem uma mistura de cabaú (um resíduo da extração da cana-de-açúcar, também conhecido como melaço), pigmento preto, água e sabão. A escolha do cabaú remete à relatos onde os negros que conseguiam escapar do engenho, cobriam o corpo com melaço e rolavam em folhas de arvores caídas para criar um espécie de camuflagem, capaz de facilitar a fuga. Ao contrário da detestável representação racista conhecida como Blackface, (que tem como base a satirização de figuras negras por figuras brancas), nos Lambe-Sujos, a tinta criada para pigmentação dos corpos cria uma unidade visual que tem como objetivo demonstrar que não há distinção entre negros, toda a comunidade envolvida na encenação pinta o próprio corpo para ingressar como dançante. Do mesmo modo as suas roupas, uma bermuda e gorro feitos de flanela vermelha e uma foice (principal ferramenta de trabalho do negro escravizado). Os caboclinhos, por sua vez, pigmentam o corpo com tinta vermelha e usam um saiote de penas com cocar na cabeça, carregando arcos e flechas e caixas de percussão em suas mãos. Desse modo, remetem à representação folclórica de um exército indígena formado para captura de negros pelas conhecidas matas.

Por outro lado, nas Congadas mineiras, percebemos uma produção artesanal voltada para a criação de uma unidade estética do cortejo. Tanto a produção das indumentárias, tambores e estandartes, os artesãos e artesãs envolvidos no processo prezam por uma produção personalizada, feita sob medida e de maneira que atenda as necessidades individuais dos dançantes. Desse modo, a forma coletiva ganha um corpo estético integral, que desfila pelas ruas ao som dos tambores artesanais e traça em coreografias o enredo da festa. No quepe do capitão, cada cor de fita representa um santo. No estandarte pintado à mão, o elemento de devoção, a imagem do Santo representado pela guarda. Na mesa posta, o alimento sagrado, cuja produção também está diretamente relacionada ao andamento da festividade.

Celebrando a Vigésima Semana Nacional de Museus, promovida pela Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), com o tema: O Poder dos Museus, o Museu de Artes e Ofícios de Juiz de Fora reúne obras das artista: Cris Nery e do fotógrafo Daniel Santos com o objetivo de demonstrar a potencia da artesania das coisas na tradição cultural popular brasileira. Pensando o poder dos museus em forma presente, projetamos um futuro onde a beleza do nosso patrimônio seja reconhecida como saber necessário à formação integral humana, tornando cada vez mais poderosa e transformadora a experiencia do fazer artístico e artesanal de nossa cultura.

Frederico Lopes

Música tradicional dos Lambe-Sujos x Caboclinhos cantada durante a celebração
Momento que os negros vão em busca do seu rei, 2018, Laranjeiras – SE. Fotografia: Daniel Sants

O Lambe-Sujo, é uma manifestação cultural que ocorre desde a década de 1860 na cidade de Laranjeiras/SE. Seu enredo representa uma grande batalha entre negros e índios, (Lambe-Sujos e Caboclinhos). Além disso, como também neste contexto existe indiretamente o branco, eles são representado pelos capitães do mato como intercessores das relações com os indígenas.

A celebração da festa do Lambe-Sujo ocorre no segundo domingo do mês de outubro, onde encena-se, pelas ruas da cidade, um embate onde os negros saem derrotados. A imersão dos “brincantes” é de fundamental importância para o desenvolvimento festivo, cultural, histórico e antropológico.

O esmolado, realizado no sábado, é o primeiro momento do ritual do folguedo. No domingo, os cortejos dos lambe sujo e Caboclinhos percorre a cidade até  o embate final. 

SABER

A tinta criada para pigmentação dos corpos cria uma unidade visual que tem como objetivo demonstrar que não há distinção entre negros, ao contrário da famigerada representação conhecida como Black Face. Do mesmo modo, os caboclinhos pintam seus corpos de vermelho e vestem adornos com plumas e cocares, de modo a simbolizar uma espécie de exército de guerreiros indígenas.

PODER

Ambientação da exposição: “Tá caindo fulô” Cd Músicas Congada de Nossa Senhora do Rosário, comemoração 120 anos.

FAZER


Ficha Técnica:

Instituição Cultural Bodoque Artes e Ofícios

Museu de Artes e Ofícios de Juiz de Fora

Coordenação Geral | Frederico Lopes

Artistas convidados: Cris Nery e Daniel Santos

Curadoria e montagem: Frederico Lopes

Plataforma Virtual: Henrique Lopes

Cris Nery

é Doutora em Design pela ED/UEMG com tese intitulada Imagens cruzadas: design gráfico e montagem cinematográfica na edição de fotolivros, orientada pelo Prof. Dr. Sérgio Antônio Silva. Mestre em Multimeios pelo IA/UNICAMP com a pesquisa Imagens Fantásticas do Carnaval do Recife, orientada pelo Prof. Dr. Etienne Samain. Especialista em Cinema pela PUC/MG. Graduada em Cinema de Animação pela EBA/UFMG e em Design Gráfico pela ED/UEMG. Tem artigos publicados sobre antropologia visual, design e livros de fotografia em publicações e eventos nacionais e internacionais. Possui livros de fotografia publicados sobre o Congado e o Carnaval do Recife.  https://uemg.academia.edu/crisnery 

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Daniel Santos

é fotógrafo Sergipano de 27 anos. Nasceu em Laranjeiras-SE, e começou a fotografar no ano de 2017, sempre em busca dos detalhes existentes em sua cidade. Daniel se especializou em retratar as ricas e diversas manifestações populares. Em 2019, foi contemplado pela Galeria de Arte Alvaro Santos, em Aracaju-SE, com a Menção honrosa pelo seu trabalho retratando festas populares. Daniel acredita no poder da fotografia como um instrumento de transformação e personificação da cultura.

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Irmandade Estrela do Oriente do Bairro Tupi


A Guarda de Congo Estrela do Oriente foi fundada em 21 de setembro de 1985. Seus fundadores foram Maria Luiza Félix (em memória) e a Capitã-Mor Efigênia Costa Félix, devido à sua devoção e fé em Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia. A sede se situa na Rua Cinco, número 124, Bairro Novo Tupi, em Belo Horizonte, Minas Gerais. A Festa de Reinado acontece no mês de junho.

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